.do ódio.

.
eu me odeio
e me odeio apenas
por não poder te amar
.

.mar.

.
hoje acordei mar

meio imensidão, meio infinito

sonhos platônicos de ocupar o horizonte
.

.a felicidade.

.
das dores, as maiores, para mim, por favor
não ouso rasgar lágrimas por poucos grãos de areia
o vento destrói minhas dunas, mas não meu sorriso
só deixo meus olhos escorrerem montanhas
não permito pedrinhas bobas
faço das queixas, dilúvio
ou mantenho a ensolação
.

.conquiste-me.

.
Conta a velha lenda que a bela princesa guarani dançou, mais uma vez, na beira da cachoeira, por seu amor.

Ao som do vento, remexeu suas tatuagens de urucum e jenipapo delicadamente para a lua, até cansar seus pés.

Deitou-se na terra e o rio, que apaixonara-se pela delícia daquele balanço, levou-a para o fundo de seu leito, para vê-la,
também, à luz do sol.

Quando, enfim, a primavera voltou, trazendo as pétalas aveludadas aos gramados e a brisa pueril aos matagais, a lua entendeu o que era saudade.

Chorando estrelas, percebeu o amor por aqueles pequenos traços morenos e minguou, implorando às águas sua amada de volta.

As lágrimas incandescentes, no negro oceano, ecoaram a triste verdade que vinha de longe: já era, assim, tarde demais.
.

.das perdas.

.
eu perdi
perdi tempo por bobas constatações
perdi esperança pela sonhada sinceridade
perdi sangue pelas antigas amizades
perdi lágrimas por afiadas palavras
perdi amor por outro maior amor
enfim, perdi
como sempre perco
.

.das saudades.

.
hoje, eu não sinto mais falta dos teus beijos
não sinto mais falta de tuas mãos em meu corpo
não trocaria o cheiro que está na minha cama pela teu

hoje, não olho fotos e penso que aquele era o melhor de todos os momentos
não penso em te desejar boa noite com beijos sem fim
não trocaria a camiseta que visto hoje pela tua

hoje, não te comparo com mais ninguém
não penso em como teus desejos me preenchiam
não trocaria os machucados que tenho pelos teus

sinto apenas falta daquele olhar perdido nos meus cabelos
sinto falta daquele raivoso toque ciumento nas minhas costas
hoje, só sinto falta mesmo daquele amor que nos matou
.

.ressaca.

.
decididamente ela resolveu nunca mais afogar as mágoas no uísque
suas mágoas eram mais resistentes ao álcool do que ela
da próxima vez, afogaria as márgaras
.

.do teu amor.

.
Me machuque a cada declaração.
Não me acaricie com palavras bobas.

Me torture ou me surpreenda.
Não gaste a paixão com banalidades.

Faça seu amor me sacudir.
Ou não me ame simplesmente.
.

.sad princess.

.
Ela, no último quarto da torre mais alta do enorme castelo no topo da colina, pensa e divaga.

Por que os temidos e valentes cavaleiros não a tiram de lá se até mesmo os bobos da corte batem diretamente à sua porta?
.

.medos momentâneos.

.
ela sente medo ao deitar em sua cama
sonha pequenos sonhos que ainda não se realizaram
sonha pequenos devaneios que precisa ter

ela aperta o rosto no travesseiro e chora
tem medo de perder esses sonhos antes do sono chegar
tem medo destes devaneios se espalharem na escuridão

ela abraça seu próprio corpo com força
arranha suas costas para sentir a realidade
arranha seu passado para ele se machucar e ir

ela se vira de bruços para esmagar o peito
dói tanto esse eco que não para de gritar
dói esse medo de não fazê-lo calar mais

ela adormece com esse furacão devastador
sonha com tudo que está por vir
sonha em nunca mais precisar acordar
.
.
eu queria dizer EU TE AMO
mas não te amo mais
.

.har.

.
o suspiro leva do peito
todas as palavras
que sonho em te dizer

apenas meus lençóis
estão aqui para ouvir
minhas saudades
.

.arrependimentos inoportunos.

.
e agora ela vem assim, requebrando de mansinho, em minha direção
chega com seu olhar perdido na imensidão das duas bolitas de piscina
sua boca entreaberta molhada pela lingua nervosa balbucia um quase silencioso oi
seus lábios carnudos mancham meu rosto de algo que lembra chocolate
arruma seus negros cabelos com a mão que antes tinha nossa marca
pede um café para igualar nosso primeiro encontro
senta na minha frente e cruza suas pernas delineadas pela risca de giz
a ponta de seu sapato roça meu joelho por uns instantes
meu corpo inteiro sente um calafrio e percebo o mundo ensolarado de novo
não lembrava por que eu tinha me apaixonado por sua pele alva e seu cheiro de jasmim
e agora ela vem assim, me quebrando de mansinho
jogando na minha cara as lembranças que escondi no velho baú
desafogando o brilho dos meus olhos que deixei em outro copo
me fazendo entender as estações que dividiram minha vida
certamente riria do inverno que arrasava todas as plantações que eu tentei cultivar
e apenas com o sorriso acanhado me fez lembrar da eterna primavera que era ao seu lado
deixei por alguns segundos de respirar para evitar a voz trancada por palpitações aceleradas
já nem pensava mais em números, contas e divisões de futilidades
pela segunda vez, me suicido internamente por causa dela
.

.fim de festa.

.
ela tentou negar
tentou esconder e camuflar com rosa choque
mas ele ficava por ali, rondado seu olhar

aquele ciúme estúpido, bobo
aquela vontade de sumir, ou de aparecer de repente
aquele apertinho no estômago constante

ela odiava aquela sensação insegurança de menina perdida
odiava ver todas as flores verde musgo
de dentro de uma camisa de força

era naquele momento que as luzes se acendiam
suas borboletas entravam num frenesi
e então paravam de dançar
.
.
eu chego e ela está ali.
ocupando minha cama, como se fosse um gigante.
esperando para ter suas roupas rasgadas, seus segredos descobertos, seu corpo violado.
espera por um toque suave também, um olhar atento e um abraço contra o peito.

mas isso não me importa muito.
faço de conta que não a vejo. ignorando-a, ignoro também meus medos, meus receios e minhas mais secretas paixões.

vou até a cozinha preparar algo para comer. bem devagar. canto uma música, duas, três. elas vão e vêm na minha cabeça. ocupando o lugar de conversas devaneiosas, diálogos solitários.

volto, fecho a porta e fico parada a observá-la.
seu jeito, sua brancura, seu olhar atento.
me pedindo, me implorando para eu devorá-la, para eu possuí-la até o último suspiro.

docemente, a pego e coloco-a mais perto de mim. fito sua face, seu rosto estampando meu nome.
cheiro seu cangote - ainda pode ter algum perfume ali.
rasgo sua roupa e deixo ela assim: nua, aberta.
depois de possuí-la duas, três quatro vezes, deixo-a de lado e como tranquilamente.
desvendado, seu corpo alvo, com machas percorrendo-lhe caminhos, ainda me chama. pego-a no colo, aperto-a contra meu peito.
durmo então, abraçada no único pedaço que tenho de ti.



a carta

|baú.05.04.04|

2z

.

.
por enquanto estou aqui, quase sozinha, nesta sala fria de janelas abertas
o ar entra nos meus neurônios e não me deixa mais sentir sede
o sol bate das minhas costas me chamando para uma corrida
chegarei primeiro, com certeza, porque ele já está lá
atrás dos horizontes de pedra que o bicho criou

tomarei chimarrão na sua despedida com rapadura e pés descalços
nada de álcool, drogas nem roquenrol
nada de choros, abraços doloridos ou cartas enigmáticas
apenas um sorriso no estômago e a esperança nas mãos

um dia, quem sabe?, ele volta
.



|baú.27.06.03|

mesa vazia

.
estava sozinha naquela sala crua
tinha encomendado uma pizza de açafrão que sabia que nunca chegaria
mesmo assim, pedi suco de tomate e troco prá cinquenta
lancei gritos pelos corredores para espantar a luz
meus desejos haviam se atirado do 11º andar há 15 minutos
não cheguei a tempo na janela
realmente, precisava de ombreiras novas
.




|baú.06.06.05|

.. conselhos da morte em seu ouvido ..

.
decida, ela resolveu falar tudo
falar sobre sua paixão, seu deslumbramento, sua vontade de estar sempre ali
da mania de escrever mil palavras e não contar nada
e do estouro em seu peito em cada olhar
falaria também de sua indecisão, de seus problemas antigos e de sua desilusão
contaria o que estava sentindo, o que a perturbava, o que a deixava insegura
pediria desculpas por coisas que não fez, prometeria coisas que faria
tinha o roteiro inteiro para todas as dúvidas e medos expostos ali
na rua, no bar, na cama - no armário se o caso fosse este
sorriu, entreabriu os lábios e resmungou um oi calmo, quase feliz
então, calou-se para sempre
.




|do baú - s.d. |

.minha vida inteira.

.
ao se despedir, beijou minha testa
depois olhos e boca
era tua forma de dizer que iria demorar a voltar
aprendi teus gestos como aprendeste meu corpo

surpreendentemente, sussurrou no meu ouvido
hoje passaria a noite toda com você
juro que só você me salva
virou e seguiu caminhando pela rua

o vento gelado espalhou minha voz
não tive forças de gritar mais alto
e meu desejo se perdeu mais uma vez
.

.inspiração oscar wilde.

.

Não peca quem peca por amor

Leu isso, abriu a janela e voou.

.

.cotidiano o1.

..

nunca te quis este mal
mas no fundo
você merece sofrer
por ter me feito cair



chore hoje
o que eu chorei ontem

..

. meu sol .

.
contigo
as palavras
não fazem sentido
algum


tua luz
me permite sorrir
assim
nesta madrugada
minguante
mingada

rezo
para nuvens gordas
que disfarcem
estas lágrimas
de saudade
deste desencontro
eterno
entre nós
.





para c.

.peito oco de dor.


o calor que me aprisiona no teu corpo
pede colo toda noite
pede água toda manhã

o frio que invade meu estômago
acalma minhas mãos frenéticas
naquelas buscas infinitas

cada tropeço que dou
redime meus pensamentos obscuros

tateio o chão em busca de mim mesma
só encontro cacos de olhos de vidros
que cairam ao te ver chegar


| baú 141204 |

.. mulheres insaciáveis ..

.
Ela acordou com um nó lhe revirando o estômago. Pensou que não deveria mais misturar vodka e conhaque vagabundo. Lembrou de quem lhe trouxera o conhaque e sorriu.
Adorava essa sensação de cama vazia depois de uma noite cheia.

Tomou uma xícara de café com um pouco de uísque, bem pouco, como fazia todas as tardes.
Fumou um cigarro mentolado enquanto arrumava a maquiagem.
Tirar o lápis borrado era tão prazeiroso como o momento em que a lágrima fazia escorrer de seu olho a pintura negra.
(Muitos se assustaram na primeira vez que viram a cena, mas ela chorava delicada e involuntariamente enquanto gozava.)

Perfuma-se para mais um dia ensolarado deste outono portoalegrense.

Deslizando, ela vai até a janela, encara o homem que fuma na parada do ônibus. Joga-lhe um beijo e a chave da porta e vai deitar já nua.
.

.a última prova de amor.

hoje eu estou com vontade de perder lágrimas
daquelas vontades assim, miudinhas no canto do olho
mas daqueles choros doídos, compulsivos, de cansar de tanto chorar

hoje eu estou com vontade de dormir para sempre
uma vontade assim, sem sono mesmo, sabendo que não adianta deitar na cama
mas a imensa vontade de não ver meu sonho derreter toda vez que o mundo gira

queima esta saudade e sinto um pouco de dor
não percebo mais a diferença entre o verde do tapete e o da janela
minha mão treme levemente e a respiração fica dificil

agora estou com este vazio no peito que me aperta o sentimento
esta falta de sorriso que transforma meus lábios em simples linhas pálidas
dói tanto não sentir dor, sabia?
dói tanto ver apenas o sangue escorrendo, sem poder fazer parar

sinto uma saudade estranha e sei que arderia não te ter aqui
se alguma parte do meu corpo ainda sentisse algum movimento
se alguma das minhas lágrimas não estivessem esparramadas pelo chão
misturadas com meu sangue, meu copo caído e todo o amor que eu tinha te guardado

e não precisa chorar por meu sangue misturado à vodka
nem pela vida que se perdeu nas lágrimas outrora
a única coisa que quero de ti é pense que agora é tarde demais


.. para conhecer um pedaço do mundo ..

bastaria te conhecer


e das tuas palavras fez-se tremor
o calor que falta no corpo, aqueceu meu rosto

por alguns segundos, criou-se uma leve modificação labial
que se não fosse por meu desespero, chamaria de sorriso

.. te esperei para o jantar ..


comprei vinho e batatas, fiz pure com tirinhas amanteigadas de cenouras
cozinhei, limpei a casa, arrumei o quarto, troquei nossas toalhas
perfumei os travesseiros, os lençóis e meu pescoço
acendi velas em cima dos móveis e no caminho até a mesa
vesti-me de rendas pretas e pintei meus lábios carnudos de rubro
adormeci bêbada no sofá com billie chorando ao meu lado
acabo de esquentar nossa noite no microondas





.. tá me faltando ar ..

correr pular gritar
girar girar girar
beber comer vomitar beber
não mais se prender
parar de escrever e de pensar
tomar chimarrão até ficar verde
ir numa escola de samba e dançar
dançar dançar dançar
não mais olhar em volta nem cochilar no banco de trás
bater sofrer amar mendigar
pisar guspir destroçar amassar arranhar
deitar e levantar deitar e levantar
sonhar de olhos abertos que nem um pires lunar
descrever um minuto em uma hora
parar
descansar
recomeçar
tudo de novo ao mesmo tempo
pirar
cair de cabeça no asfalto
perder o coração no chão
chorar mendigar guspir
parar
morrer em paz




[baú - 2004]

.. entre nós ..

talvez, um dia possamos recomeçar do zero e esquecer todas as coisas que já nos magoaram

talvez, um dia possamos nos olhar como se fosse a primeira vez e não sentir o que nos trouxe até aqui

talvez um dia possamos sentar e conversar como se acabássemos de nos descobrir na vida

e talvez, neste dia, mudemos nossos caminhos e nossos objetivos e nunca mais queiramos nos encontrar








| do fundo do baú | 2004 |

E o que você quer amanhã?

Do nada, ela me aborda no corredor dos pães dizendo rápida com uma respiração quase sufocada:

- Amanhã eu quero: sexo, chocolate, abraço apertado e Heineken. E o que você quer amanhã?

Com uma quase desconhecida, a única coisa que pensei em dizer foi:

- Amanhã eu quero: que meus amigos voltem a ser o que éramos há 20 anos atrás, mas com o que somos hoje.

Ela me olhou desconfiada e disse quase braba:

- Você complica tudo. Você tem que ser mais exata.

Virou-se e seguiu até os biscoitos.

E minha maior dor é que ela saiu pelo corredor sem nunca enteder em tudo que eu precisava dizer naquela minúscula frase.
.

saudade de ter saudade de ti

.

.. ciclo ..

..

apaixonar

beijar

reapaixonar

ver

rever

desapaixonar

decepcionar

fugir

..

.. meio assim ..

.
nessas últimas noites
tu tens me deixado meio perdida
meio bêbada de confusões

me preocupo com coisas que poderiam acontecer
com as lágrimas que farei tu derramar
e com as pontes que irão cair

e por todas essas noites deste outono
quando estou bêbada de teus dedos
fico meio assim.. assustada de mim
.

.felineando.

.
e agora vem tu
com este olhar de me querer
essa voz manhosa de gato de telhado
controlando os passos no outro quintal

consome estes suspiros perdidos
faz o vento se calar lá fora
deita comigo uns minutos
mas me cobre antes de sair

só não fecha depois minha janela
deixa ela aberta, quero ver o sol entrar
junto com o gato arisco que estava no vizinho a esperar
.

.. tu me inverte quando quer ..

olhos brilhantes refletindo teu sorriso
o gozo escorrendo por minha pele branca
o suor molhando os lençóis antes limpos

tua boca trilhando caminhos por todo meu corpo
até que tuas mãos seguram minhas coxas
enquanto teu peito me espreme contra a parede

teus dedos se enroscam nos meus cabelos depois de deixar minha boca
tua saliva inunda meu pescoço e meus ombros
teus beijos não me deixam abrir os olhos

tua voz rouca me arrepia quando perto do ouvido
este sorriso não esconde teu desejo
teu olhar intenso não desvia do meu por um segundo sequer

teu telefonema iluminou esta tarde cinzenta
tuas palavras de saudade criam fantasias minhas
as borboletas fazem festa no meu estômago

.. novos jardins ..

.
e finalmente eu me mudei
fui pro meu cantinho
agora posso cuidar do meu jardim do jeito que eu quero

estou te esperando, jardineiro
.

.. abro a janela ..

um ventinho frio beija meu pescoço e conta-me segredos que deveriam ser ditos por tua saliva

.. eu sou o começo, eu sou o fim ..

..
sonho com tuas lágrimas molhando meus pés
teus beijos escorregando por meus braços
e delicadamente se perdendo por entre meus dedos

sonho com tua voz rouca ao meu ouvido
invadindo minha alma suavemente
para se despedir do meu sofrer

sonho com teus abraços apertados no meu corpo
tuas mãos não querendo se descobrir de meus cabelos
grudando nossos lábios de uma vez

sonho com o choro da lua cheia
lacrimejando estrelas cadentes
por este amor que se acabou
..

.. madrugada suicida ..

no fundo da sala tem uma janela que reflete meus olhos cansados
eles estão prestes a derramar gotas de amizades perdidas
juntamente com as gotas coloradas que caem do meu pescoço

especialmente hoje, sinto falta de certas amizades
daquelas que se perderam no tempo e deixaram lacunas em branco na estrada
daquelas que se jogaram pela janela sem nem rabiscar bilhetes de despedidas
daquelas que permaneceram escondidas numa página de um antigo caderno
daquelas que só se encontram no fundo de um copo de cerveja
e daquelas, ah, aquelas que eu mesma esfaqueei

quantas já se foram e quantas ainda irão?
e quanto eu ainda aguentarei perder de mim mesma a cada esquina que eu passar?

não consigo mais pensar
agora, o chão molhado de vermelho é a única coisa que ainda vejo à minha frente

.

.. primeira semente ..

..
sempre quis um cantinho tranquilo, um pequeno jardim prá plantar flores vermelhas

agora ele está aqui

vou ali pegar adubo e já volto
..