The hardest part is getting starting.

Ela tinha a síndrome do eu também.
Sempre soube disso por mais que quisesse evitar.
Ela odiava o silêncio que ficava depois de um sinto tua falta, de um eu te adoro ou daquele eu te amo antes de dormir. Mas ela nunca conseguiu dizer eu também. 

Nunca soube falar dos seus sentimentos repetindo o dos outros. Ela dizia os tambéns da sua própria maneira. Esperava a lua aparecer para dizer das saudades que sentiu. Acordava de madrugada com um beijo de te amo. Preparava o café da manhã com geléias e te adoro. Retribuia todas as declarações sem precisar de tambéns. 

Ela tinha a síndrome do eu também.
Nunca conseguiu dizer eu também porque alguém lhe disse algo. Colocava seus eu te adoro no meio da janta, entre a salada e o vinho tinto. Dobrava todos aqueles sinto tua falta no meio da gaveta de meias. E gostava mesmo de deixar um eu te amo ao lado do sabonete para ser descoberto de manhã.

Ela sempre achou que também era uma forma conveniente de não demonstrar sentimento algum. Eu também nunca foi uma declaração. Eu também o quê? Eu também prefiro peixe e eu também te amo. Não, ela nunca conseguiu dizer eu também naturalmente. Por mais que odiasse o silêncio depois do te adoro.

Ela tinha a síndrome do eu também.
Ela tinha aquela vontade de não se repetir no eu te amo do outro. Ela tinha a necessidade de colocar amores num verso. Queria demonstrar sua paixão com seus olhos de Capitu. Sempre achou muito mais verdadeiro declarar as saudades num guardanapo de bar.

Ela tinha, na verdade, a síndrome da poesia.
Mas hoje em dia o mundo fechou os olhos pra as simples declarações. A beleza escondida da prosa perdeu para o conforto rápido do concordamento. O romantismo não está mais em uma rosa ou um cafuné na chuva. O romantismo dos auges tempos do amor sussurrado por entre beijos, aquele velho tolo e difícil de entender, morreu.
E ela também.

.he lies to keep me from getting mad .

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mais uma vez acordo-a com um beijo acanhado no canto da boca
levemente sinto seu cheiro adocicado de quem ainda sonha com a infância
percorro então suas curvas como se sentisse o vento que o balanço faz nos seus cabelos
meus dedos voam na pequena constelação do seu ombro descoberto
minha mão entrelaça sua mão delicada fazendo-me sentir a aliança que escolhi na última primavera
quando ela abre os olhos, não falo nada, apenas sorrio
sempre fui um poeta das palavras escritas e dos sonhos distantes
por alguns minutos fico hipnotizado por aquele olhar mareado
ela sempre me roubava todas as possíveis formas de dizer bom dia
eu nunca sei o que tu está sentindo, ela me diz antes de me beijar
não sei o quanto tu me ama e o quanto tu estaria disposto a ser feliz comigo
baixo minha cabeça e fico lendo a cicatriz que ela esconde no quadril
eu te amo, sussura ela baixinho, mas estou em dúvida dos teus sentimentos
ela se levanta e nua, caminha para o banho
sento na ponta da cama e vejo frases soltas fugindo pela janela
me visto sem pressa e saio sem levar a chave
no espelho, choro com seu batom vermelho:
meu amor nunca se prenderá em palavras
.

It's easier when I am alone but, I get so lonely without you.

Depois de algum tempo, chega aquele dia crucial que tu resolve subir um passo no relacionamento.
Tu entende que já passou um certo tempo dos pequenos descobrimentos e que as vidas, que estão seguindo esses caminhos paralelos, podem ser um pouco mais entrelaçadas.
Dai, por insegurança mesmo, tu passa uns dias treinando todas aquelas coisas que tu sempre quis dizer mas não disse porque ainda não era o momento devido, não era o tempo correto, não era a lua certa de compartilhar tua história assim, tão abertamente assim tão subtamente.
Não era.
Ainda não é.
Mas tu faz que seja por que tu quer que seja agora.
Internamente tu coloca um ponto final no meio da frase e resolve ser poeta da própria vida.
Repete tua própria história mil vezes, em diversas cores, diferentes contextos e milhares de olhares, como se tu quisesse te desvendar pra poder te explicar melhor.
Revive todos os momentos importantes que fermentaram essa característica tão exclusivamente tua.
Relembra cada exato segundo que as maiores cicatrizes da tua história se rasgaram na tua pele.
Repensa todas tuas incertas escolhas que te fizeram chegar até aqui.
Reedita cenas pornograficamente censuradas e sentimentos evitados.
Então lá vai tu seguir esse trilho, vai pra luta da vida com tua vida sem escudos.
Entra numa guerra que tu não quer ganhar.
Entra numa guerra que tu quer compartilhar.
E em menos de cinco minutos tu lembra que há certas coisas que não precisam ser ditas.
Ou porque são irrelevantes ou porque são tão relevantes que já não fazem mais nenhuma diferença.
No amor, na dor e na guerra, a história que se carrega é só apenas mais uma história que se carrega.

Saudade.