.what do you want me to say?.

Ela me ligou de manhã cedo.
Acabou.
Mas era cedo mesmo.
Acabou, flor.
Acho que ela não lembrava da diferença de fuso.
Acabou o café?
E que fique claro que eu não me importo de ser acordada.
Não, acabou. Está tudo acabado entre nós!
Na verdade acho lindo ser acordada por meus amigos de madrugada.
Perai, o que eu fiz dessa vez?
Sou boa de sono, posso voltar a dormir rapidinho.
Não nós, NÓS! Preciso de um lugar pra morar!
Só que as vezes eu confundo um pouco a realidade.
Ok, vem tomar café da manhã comigo e a gente charla.
E começo a conversar com meu travesseiro.
FLOR! SÃO MEIO DIA E TU TÁ EM OUTRO CONTINENTE!
Tá, às vezes me confundo mais do que só a realidade.
Ok, guria, eu vou preparar um café e entro no Skype em cinco minutos.
Tá. Não demora.
A realidade é difícil sem café. Ou será o café difícil sem a realidade?
Bem, ela me ligou cedo. Tão cedo que eu acho que não tinha vontade de acordar.
Acabou tudo. A gente tá se iludindo! A gente não se ama mais. A gente não dá certo. Nunca deu, nunca dará .. Acho que a gente nunca se amou.. não.. não.. 
E por 29 minutos ela chorou, gritou, resmungou, se escabelou. Gritou de novo, chorou outra vez e penteou o cabelo com os dedos tremulos de café (ou seria de realidade?). Eu não disse mais do que um AHAN, dois SIM e um punhado de OK. Não há palavras que consigam transpor a barreira do desespero. Nunca houve, nunca haverá.
Foi então que eu respirei com a toda a calma que consegui encontrar no meu pote vazio de biscoitos de gengibre, olhei bem para a camera e constatei.
E tu acredita mesmo em tudo isso?
Entrei num terreno perigoso.
O que? Tu acha que tô aqui, choramingando por besteira e bobagem, que não é verdade, que eu não odeio ele e que é o fim de tudo? Tu acha que não sou sem teto e que preciso de um sofá por uns dias?
Bem, por uns segundos eu quis mudar de ideia e voltar a dormir. Meu café tinha acabado e eu tava começando a ficar com frio. Mas não deu tempo. O telefone começou a tocar e ela atendeu com um canto manhoso numa voz cheia de mágoa boba. Ela me jogou um beijo com dois dedos que tocaram levemente um sorriso no canto esquerdo do lábio, girou-os no ar um par de círculos e desligou. Amores matinais são quase melhores do que café. Quase.

.e o último tango não foi em Paris.

Ficou sentanda acompanhando o Lago dos Cisnes que os prendedores faziam no varal. Nunca tinha percebido como o vento era, na verdade, o maior coreógrafo da natureza. Se imaginou dançando com as palmeiras da sua infância num dia ensolarado de outono enquanto as folhas voavam ao seu redor, num espetáculo que comoveria até mesmo o Cirque du Soleil. Jogou o café já frio fora e pode sentir o beijo de brisa vindo da janela semi-fechada.
Semi-aberta era sua vida. Semi-aberta era a porta do seu coração. Semi-aberta era, sem dúvida nenhuma, era a condição penal do seu amor.
Pensava todos os dias em passar a chave na porta e não deixar mais niguém vir tomar chá. Pensava todos os dias na prisão perpétua ou o que pediria no corredor da morte. Pensava e dançava com as palmeiras outonais.
A janela semi-fechada.
A porta semi-aberta.
O pensamento semi-louco.
Diziam à ela que estava de hora de decidir. Ir até o hall e fechar a porta ou escancarar de vez a janela. Seu coração pulava desritmado sem saber pra onde ir. Por segundos, quase fechava a janela, outros tentava abrir a porta. No último verão, tentou fugiu pela chaminé.
Desritmada, descompassada, descontrolada, apaixonada. Sentia-se no meio da avenida sem saber sambar. Sentia-se presa numa imensa bolha de ar sendo protegida das tempestades que tanto amava.
E os prendedores seguiam dançando no varal.

The hardest part is getting starting.

Ela tinha a síndrome do eu também.
Sempre soube disso por mais que quisesse evitar.
Ela odiava o silêncio que ficava depois de um sinto tua falta, de um eu te adoro ou daquele eu te amo antes de dormir. Mas ela nunca conseguiu dizer eu também. 

Nunca soube falar dos seus sentimentos repetindo o dos outros. Ela dizia os tambéns da sua própria maneira. Esperava a lua aparecer para dizer das saudades que sentiu. Acordava de madrugada com um beijo de te amo. Preparava o café da manhã com geléias e te adoro. Retribuia todas as declarações sem precisar de tambéns. 

Ela tinha a síndrome do eu também.
Nunca conseguiu dizer eu também porque alguém lhe disse algo. Colocava seus eu te adoro no meio da janta, entre a salada e o vinho tinto. Dobrava todos aqueles sinto tua falta no meio da gaveta de meias. E gostava mesmo de deixar um eu te amo ao lado do sabonete para ser descoberto de manhã.

Ela sempre achou que também era uma forma conveniente de não demonstrar sentimento algum. Eu também nunca foi uma declaração. Eu também o quê? Eu também prefiro peixe e eu também te amo. Não, ela nunca conseguiu dizer eu também naturalmente. Por mais que odiasse o silêncio depois do te adoro.

Ela tinha a síndrome do eu também.
Ela tinha aquela vontade de não se repetir no eu te amo do outro. Ela tinha a necessidade de colocar amores num verso. Queria demonstrar sua paixão com seus olhos de Capitu. Sempre achou muito mais verdadeiro declarar as saudades num guardanapo de bar.

Ela tinha, na verdade, a síndrome da poesia.
Mas hoje em dia o mundo fechou os olhos pra as simples declarações. A beleza escondida da prosa perdeu para o conforto rápido do concordamento. O romantismo não está mais em uma rosa ou um cafuné na chuva. O romantismo dos auges tempos do amor sussurrado por entre beijos, aquele velho tolo e difícil de entender, morreu.
E ela também.

.he lies to keep me from getting mad .

.
mais uma vez acordo-a com um beijo acanhado no canto da boca
levemente sinto seu cheiro adocicado de quem ainda sonha com a infância
percorro então suas curvas como se sentisse o vento que o balanço faz nos seus cabelos
meus dedos voam na pequena constelação do seu ombro descoberto
minha mão entrelaça sua mão delicada fazendo-me sentir a aliança que escolhi na última primavera
quando ela abre os olhos, não falo nada, apenas sorrio
sempre fui um poeta das palavras escritas e dos sonhos distantes
por alguns minutos fico hipnotizado por aquele olhar mareado
ela sempre me roubava todas as possíveis formas de dizer bom dia
eu nunca sei o que tu está sentindo, ela me diz antes de me beijar
não sei o quanto tu me ama e o quanto tu estaria disposto a ser feliz comigo
baixo minha cabeça e fico lendo a cicatriz que ela esconde no quadril
eu te amo, sussura ela baixinho, mas estou em dúvida dos teus sentimentos
ela se levanta e nua, caminha para o banho
sento na ponta da cama e vejo frases soltas fugindo pela janela
me visto sem pressa e saio sem levar a chave
no espelho, choro com seu batom vermelho:
meu amor nunca se prenderá em palavras
.

It's easier when I am alone but, I get so lonely without you.

Depois de algum tempo, chega aquele dia crucial que tu resolve subir um passo no relacionamento.
Tu entende que já passou um certo tempo dos pequenos descobrimentos e que as vidas, que estão seguindo esses caminhos paralelos, podem ser um pouco mais entrelaçadas.
Dai, por insegurança mesmo, tu passa uns dias treinando todas aquelas coisas que tu sempre quis dizer mas não disse porque ainda não era o momento devido, não era o tempo correto, não era a lua certa de compartilhar tua história assim, tão abertamente assim tão subtamente.
Não era.
Ainda não é.
Mas tu faz que seja por que tu quer que seja agora.
Internamente tu coloca um ponto final no meio da frase e resolve ser poeta da própria vida.
Repete tua própria história mil vezes, em diversas cores, diferentes contextos e milhares de olhares, como se tu quisesse te desvendar pra poder te explicar melhor.
Revive todos os momentos importantes que fermentaram essa característica tão exclusivamente tua.
Relembra cada exato segundo que as maiores cicatrizes da tua história se rasgaram na tua pele.
Repensa todas tuas incertas escolhas que te fizeram chegar até aqui.
Reedita cenas pornograficamente censuradas e sentimentos evitados.
Então lá vai tu seguir esse trilho, vai pra luta da vida com tua vida sem escudos.
Entra numa guerra que tu não quer ganhar.
Entra numa guerra que tu quer compartilhar.
E em menos de cinco minutos tu lembra que há certas coisas que não precisam ser ditas.
Ou porque são irrelevantes ou porque são tão relevantes que já não fazem mais nenhuma diferença.
No amor, na dor e na guerra, a história que se carrega é só apenas mais uma história que se carrega.

Saudade.

The world looks better upside-down.

Todos temos medo.
Pode ser um medo de ter medo.
Ou um medo de não ter medo de nada.

Eu tenho medo do escuro.

E por isso sempre apago a luz.
Todos também temos desmedos.

I think it's called love.

Uma coisa na vida é mais certa que a morte: quando a gente realmente quer ver alguém, a gente perde. Perde a hora, o jogo, uma festa, um amante, o trabalho, consulta médica ou a cabeça.
Quando a gente necessita de um tempo com alguém, um tempo que seja só nosso, um tempo único e exclusivo, a gente move fundos e mundos para que ele aconteça.
Não importa se serão 15 minutos ou 51 anos.
Não importa se terá chuva lá fora ou sol atrás do óculos.
Não importa se teremos fome ou nos afogaremos em lágrimas de saudade.
Quando a gente realmente faz questão de alguém na nossa vida, a gente deixa até de viver.

 Some people care too much. 
 I think it's called love. 
A.A. Milne, Winnie-the-Pooh