. meu sol .

.
contigo
as palavras
não fazem sentido
algum


tua luz
me permite sorrir
assim
nesta madrugada
minguante
mingada

rezo
para nuvens gordas
que disfarcem
estas lágrimas
de saudade
deste desencontro
eterno
entre nós
.





para c.

.peito oco de dor.


o calor que me aprisiona no teu corpo
pede colo toda noite
pede água toda manhã

o frio que invade meu estômago
acalma minhas mãos frenéticas
naquelas buscas infinitas

cada tropeço que dou
redime meus pensamentos obscuros

tateio o chão em busca de mim mesma
só encontro cacos de olhos de vidros
que cairam ao te ver chegar


| baú 141204 |

.. mulheres insaciáveis ..

.
Ela acordou com um nó lhe revirando o estômago. Pensou que não deveria mais misturar vodka e conhaque vagabundo. Lembrou de quem lhe trouxera o conhaque e sorriu.
Adorava essa sensação de cama vazia depois de uma noite cheia.

Tomou uma xícara de café com um pouco de uísque, bem pouco, como fazia todas as tardes.
Fumou um cigarro mentolado enquanto arrumava a maquiagem.
Tirar o lápis borrado era tão prazeiroso como o momento em que a lágrima fazia escorrer de seu olho a pintura negra.
(Muitos se assustaram na primeira vez que viram a cena, mas ela chorava delicada e involuntariamente enquanto gozava.)

Perfuma-se para mais um dia ensolarado deste outono portoalegrense.

Deslizando, ela vai até a janela, encara o homem que fuma na parada do ônibus. Joga-lhe um beijo e a chave da porta e vai deitar já nua.
.

.a última prova de amor.

hoje eu estou com vontade de perder lágrimas
daquelas vontades assim, miudinhas no canto do olho
mas daqueles choros doídos, compulsivos, de cansar de tanto chorar

hoje eu estou com vontade de dormir para sempre
uma vontade assim, sem sono mesmo, sabendo que não adianta deitar na cama
mas a imensa vontade de não ver meu sonho derreter toda vez que o mundo gira

queima esta saudade e sinto um pouco de dor
não percebo mais a diferença entre o verde do tapete e o da janela
minha mão treme levemente e a respiração fica dificil

agora estou com este vazio no peito que me aperta o sentimento
esta falta de sorriso que transforma meus lábios em simples linhas pálidas
dói tanto não sentir dor, sabia?
dói tanto ver apenas o sangue escorrendo, sem poder fazer parar

sinto uma saudade estranha e sei que arderia não te ter aqui
se alguma parte do meu corpo ainda sentisse algum movimento
se alguma das minhas lágrimas não estivessem esparramadas pelo chão
misturadas com meu sangue, meu copo caído e todo o amor que eu tinha te guardado

e não precisa chorar por meu sangue misturado à vodka
nem pela vida que se perdeu nas lágrimas outrora
a única coisa que quero de ti é pense que agora é tarde demais


.. para conhecer um pedaço do mundo ..

bastaria te conhecer


e das tuas palavras fez-se tremor
o calor que falta no corpo, aqueceu meu rosto

por alguns segundos, criou-se uma leve modificação labial
que se não fosse por meu desespero, chamaria de sorriso

.. te esperei para o jantar ..


comprei vinho e batatas, fiz pure com tirinhas amanteigadas de cenouras
cozinhei, limpei a casa, arrumei o quarto, troquei nossas toalhas
perfumei os travesseiros, os lençóis e meu pescoço
acendi velas em cima dos móveis e no caminho até a mesa
vesti-me de rendas pretas e pintei meus lábios carnudos de rubro
adormeci bêbada no sofá com billie chorando ao meu lado
acabo de esquentar nossa noite no microondas





.. tá me faltando ar ..

correr pular gritar
girar girar girar
beber comer vomitar beber
não mais se prender
parar de escrever e de pensar
tomar chimarrão até ficar verde
ir numa escola de samba e dançar
dançar dançar dançar
não mais olhar em volta nem cochilar no banco de trás
bater sofrer amar mendigar
pisar guspir destroçar amassar arranhar
deitar e levantar deitar e levantar
sonhar de olhos abertos que nem um pires lunar
descrever um minuto em uma hora
parar
descansar
recomeçar
tudo de novo ao mesmo tempo
pirar
cair de cabeça no asfalto
perder o coração no chão
chorar mendigar guspir
parar
morrer em paz




[baú - 2004]