.duas.

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ela se move serena por entre os dedos
pequena, cabe milimetricamente naquele olhar
procura um beijo faceira dentre os lençóis
diverte-se a cada curva
menina, não pensa na rua, sorri
não há motivos para lembrar o lá fora
apenas não pensa que quando a porta se abrir
essa felicidade não será maquiada
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.nada muda este sentimento.

Nem o sol nem a chuva e, mesmo envergonhada, admito que nem o time. Minhas mais remotas lembranças se perdem nos três Gigantes daquelas tardes de infância: o senhor negro com gigantes mãos, cujas palmas ecoavam como trovões na arquibancada; a gigante construção à beira rio, que identificava e segurava aquele mar vermelho de alegrias e prantos; e o mais gigantesco homem da minha vida, que me ensinou o amor colorado.

Alto, magro e negro, aquele desconhecido torcedor possuía cabelos grisalhos e longuíssimos dedos. Suas mãos me lembravam raquetes de tênis. Seu sorriso era proporcional a elas, assim como sua tristeza. Ele sempre ficava no mesmo lugar, encostado na parede do último degrau da arquibancada inferior – portão 02. Em determinados momentos, e não saberei precisar se por minhas piruetas ou por algum movimento da bola longínqua e branca no meio do campo, ele esticava suas mãos ao extremo e batia palmas. Eram trovoadas que vibravam o estádio e meu coração.

Este som só perdia em grandeza quando o Gigante urrava e gritava e cantava e mostrava o poder de suas milhares de vozes juntas. Éramos poucas dúzias por vezes, ou centenas delas. Meu grito se unia aos outros, indiferente ao motivo, independente da situação. Aos cinco anos, não há criança que precise de razões para berrar, pular e acompanhar seu ídolo na alegria e na dor.

Aos cinco anos, minha felicidade era saber que nosso time faria, com certeza, nascer rugas e, talvez, roubar sorrisos do maior homem do mundo: nós somos os de vermelhos, né, pai? O clichê da vida mantém-se aqui, como na maioria das histórias de amor. Ao me levar pela mão ao estádio e me soltar logo depois de adentrarmos ao caldeirão, meu pai queria me apaixonar.

Não ouso dizer que eu sabia o que acontecia nos gramados. Não entendia o objetivo dos chutes, da bola ou do homem do apito. Meu entrosamento era com os degraus, com a camisa que eu inventava bandeira, com as descobertas mágicas naquele concreto. Naquela época eu era o sentimento que compartilhava com meu pai, era a onda vermelha que hipnotizava e com certeza era ali a solidificação da minha personalidade.

Hoje, poderia me lembrar de vários jogos marcantes: desde decisões alucinantes de campeonatos que vi no Gigante com milhares de vermelhos até a final mais importante de toda nossa história em que me tranquei sozinha, sentada na cama, dentro de um círculo que fiz com todas as camisas do meu time. Ao contrário disso, citarei o GreNal do Brasileiro de 2008, no Beira Rio, como um dos jogos mais marcantes que vivenciei. E não, não falarei de detalhes técnicos, não comentarei jogadas maravilhosas nem erros grotescos de cada time. Este dia foi o retorno do gigante ao Gigante. Alguns cálculos nos apontavam que há mais de 15 anos meu pai não ia ao estádio, mas a sensação revivida naquelas arquibancadas foi mágica. Nosso sangue se juntou de novo. Nossos sorrisos e abraços a cada gol comemorando não apenas a sensacional vitória em cima do time da Azenha, mas os reencontros. Ele viu, ao vivo e ao som de milhares de apaixonados como ele, que meu sangue vermelho era forte como o dele. E no meio daquela festa, tenho certeza que ouvi os trovões daquele gigante negro de outrora, feliz por sermos de novo um só.



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Republicado do dia 17/04/10

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e agora
como a gente combinou
a primeira lágrima
nem precisa de adeus
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.crise.

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passei o dia guardando palavras pra ti
economizei vírgulas e crases
medi frases
comedi suspiros

caminhei horas imaginando o que te dizer
peguei exclamações e sentimentos
construí parágrafos
refiz estrofes

contei todos os minuto para estar ao teu lado
juntei a poesia da rua e do inferno
me fiz sorriso
apaguei a mágoa

chorei cada segundo que te tive
rasguei planos e amores
perdi abraço
desenhei a solidão
.








2g

.tu nunca foste meu.

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tuas palavras nunca foram minhas
minha ingenuidade ao ouví-las era tal qual a tua
iludida por achar que teu amor passaria por mim
assim como passa a brisa que sopra outro rosto na esquina

tuas juras nunca foram minhas
minha inocência ao acreditá-las era tal qual a tua
boba por não perceber que teu amor ficaria aqui
assim como empoçam as gotas de orvalho de manhã

teus olhares nunca foram meus
minha pureza ao sentí-los era tal qual a tua
louca por não ver que procuravam além
assim como as ondas que vão à praia
apenas em busca de teus pés
.